terça-feira, 12 de janeiro de 2010

[das mudanças]


Andavam de mãos dadas seguindo os mais diversos formatos da calçada de pedrinhas cinzas. Faziam isso há 45 anos, aquelas pedrinhas já mudaram tantas vezes de cor - de formato também, ele podia jurar - que pareciam indicar estado de espírito, como quando estavam de um verde-lodo viscoso nas TPMs dela ou branquinhas quando era aniversário de alguém e todos andavam para lá e para cá com presentes e sorrisos.
A pracinha da velha cidade de Serville era ponto de encontro dos senhores mais distintos daquele lugar. Alí jogavam xadrez, tomavam chá, liam livros e paparicavam os netos, enquanto esses aprendiam a andar de bicicleta. Todos na cidade aprenderam a andar de bicicleta na calçada da praça.
Hoje ele estava de mal-humor e ela andava de cabeça baixa desde a porta de casa. São 45 anos de casamento, 45 benditos anos de andança na pracinha às 17:00 horas em ponto, todo santo dia. E agora estavam diante da placa que dizia:
"Obras do Governo, novo Shopping Center"


- E o que diabos vou fazer num shopím?
- É Shopping, meu velho.
- O que eu disse?
- Shopím.
- E como é?
- Shopping. Não coloque força no I.
- Que seja. As crianças poderão andar de bicicleta nele?
- Infelizmente não.
- Terá árvores?
- Não.
- Mas que grande mer...
- Acalme-se, olha o coração.


No dia da inauguração ele entra no shopping, dá uma boa olhada naquele mundarel de lojas, a escada rolante, as pessoas sacando dinheiro, as sacolas, as luzes...


- Quero falar com o dono desse lugar. - resmungou com um segurança que lhe levou até o escritório do administrador do Shopping Center.


Olharam-se por alguns longos minutos, até o silêncio ficar constrangedor, pois o homem engravatado não sabia o que fazia aquele senhor com a esposa em sua sala.Quebrou o silêncio:
- Pois sim, deseja falar comigo?
- Onde estão?
- Onde estão o quê? [ sorriso falso de um empresário tentando ser gentil e paciente com um idoso.]
- As pedras! Durante 45 anos da minha vida andei seguindo as linhas das pedinhas, quadradas, triangulares, retangulares, em forma de sorvete, de cachorro, de coração. Algumas tinham pontas, outras quase saiam redondas, sem falar nas quebradinhas pelo tempo, com um pedaço faltando que poderia ser completado pela seguinte, formando uma espécie de chave e fechadura. - ele começa a chorar - Elas me diziam sobre tudo, sabia? quando casei, levei minha esposa para passear por alí e de mãos dadas contamos 2.566 dessas pedras!!! Choveu muito no último inverno, e ficaram bastante escuras, quando voltei do hospital o sol batia de forma a secar o lodo e torná-las cinza claras novamente. Meu neto adorava uma que ficava bem ao lado da perna direita do último banco de cimento. Descobrimos juntos que ela formava um rosto, e ele deu meu nome a esta...Agora entro nesse maldito lugar e não vejo uma pedra sequer, somente esse chão liso, que brilha pateticamente!
- Não acred... - tentou retrucar o engravatado.
- Olha, seu Shopím arrancou metade da minha vida. - e saiu batendo a porta.
- É Shopping!
- Pro inferno!

[L.A]

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